Imóvel vendido várias vezes, mas ainda no nome do antigo dono: entenda os riscos e como regularizar

 

Imóvel vendido várias vezes, mas ainda no nome do primeiro dono: entenda os riscos e soluções.

Comprar um imóvel que já teve vários possuidores anteriores, mas cuja matrícula ainda está em nome do proprietário original, é uma situação mais comum do que parece — especialmente em cidades menores ou áreas de expansão urbana.

Esse tipo de compra exige atenção redobrada, pois envolve contratos particulares, procurações sucessivas e transferências não registradas.
Um pequeno descuido pode transformar o sonho do sitio, chácara, terreno ou casa em um longo problema judicial.

O Caso Prático para exemplo: Um Imóvel com Três “Donos” e Uma Matrícula Antiga

Imagine a seguinte situação:

  • Em 2014, o Sr. Roberto Almeida, proprietário formal de um sítio, vendeu o imóvel por contrato particular para a Sra. Luciana, mas nunca lavrou escritura.

  • Para garantir poderes, Roberto outorgou a Luciana uma procuração pública, com autorização para vender, transferir e receber valores.

  • Em 2016, Luciana vendeu o imóvel para o Sr. Carlos Mendes, que passou a residir no local e exercer posse direta, mas também sem registrar nada em cartório.

  • Em 2020, Carlos vendeu o mesmo imóvel a Fernanda e Rafael, entregando os documentos e uma procuração outorgada em seu favor pela Luciana.

O problema?
A matrícula do imóvel ainda está em nome de Roberto — o primeiro proprietário.


Por Que Isso É um Risco?

Mesmo que todos os contratos estejam assinados e as procurações pareçam em ordem, a propriedade legal do imóvel ainda pertence ao primeiro dono que consta na matrícula.
Isso ocorre porque, segundo o art. 1.245 do Código Civil, a propriedade só se transfere com o registro da escritura no Cartório de Registro de Imóveis.

Na prática, isso significa que:

  • O imóvel ainda pode ser penhorado por dívidas do proprietário original;

  • Procurações antigas podem estar vencidas, revogadas ou sem validade jurídica;

  • E, se algum dos antigos possuidores falecer, a cadeia dominial pode se complicar ainda mais.

Entendendo a Cadeia de Transmissões

No exemplo acima, o imóvel passou por quatro etapas:

  1. Roberto → proprietário formal (consta na matrícula);

  2. Luciana → primeira adquirente, com contrato e procuração;

  3. Carlos → segundo possuidor, que recebeu os direitos;

  4. Fernanda e Rafael → compradores atuais, que estão adquirindo o imóvel.

Cada etapa dessa cadeia precisa ser comprovada documentalmente, sem falhas.
Se houver um contrato mal feito, uma procuração sem poderes de substabelecer ou um documento vencido, o cartório pode recusar a lavratura da escritura definitiva.


Diferença Entre Procuração Comum e Procuração em Causa Própria

Para entender o que está em jogo, é importante saber a diferença entre os dois tipos mais comuns de procuração, clique no link acima para entender melhor.

Como Verificar a Solvência e a Segurança do Imóvel

Antes de comprar um imóvel nessas condições, o comprador deve realizar uma análise completa da cadeia documental.
Veja o passo a passo:

1. Peça a Matrícula Atualizada

Verifique quem é o proprietário formal.
A matrícula é o “RG do imóvel” e mostra toda a história de transmissões, ônus e averbações.

2. Analise Todos os Contratos e Procurações

  • Confirme se as datas são coerentes (sem sobreposições ou lacunas).

  • Verifique se as procurações têm poderes para vender, transferir ou substabelecer.

  • Se for procuração antiga, peça certidão de inteiro teor para confirmar que não foi revogada.

3. Solicite as Certidões Corretas

Tire certidões em nome de todos:

  • PRINCIPALMENTE - Do proprietário formal (Roberto);

  • Dos antigos possuidores (Luciana e Carlos)

4. Por que também tirar certidões dos antigos possuidores?

Embora apenas o proprietário formal (aquele que ainda consta na matrícula) possa ter o imóvel penhorado ou sofrer constrição judicial registrada, é altamente recomendável solicitar certidões também em nome dos antigos possuidores — especialmente quando o imóvel foi transmitido por contratos particulares ou procurações não registradas.

Isso porque, mesmo sem constar como proprietários, esses possuidores exerceram posse direta sobre o imóvel e, em alguns casos, negociaram o bem, receberam valores ou residiram nele.
Assim, se existirem ações judiciais, trabalhistas, fiscais ou de família envolvendo esses nomes, elas podem indicar disputas, litígios ou constrangimentos futuros à posse do comprador.

Além disso, certidões negativas desses antigos possuidores reforçam a boa-fé do comprador e comprovam a posse mansa, pacífica e ininterrupta, o que é relevante tanto para a segurança do negócio quanto para eventual usucapião ou regularização futura da propriedade.

As certidões dos possuidores não servem para prevenir penhora, mas para demonstrar a legitimidade e tranquilidade da posse, garantindo que não há ações ou litígios pendentes que possam afetar o uso e a posse do imóvel.

Base Jurídica:

  • Art. 1.196 e seguintes do Código Civil – posse e seus efeitos;

  • Art. 1.200 – “É justa a posse que não for violenta, clandestina ou precária”;

  • Princípio da boa-fé objetiva (art. 422 do CC), que orienta a conduta das partes na celebração de contratos imobiliários.

Isso evita surpresas com ações judiciais, execuções fiscais ou protestos que possam atingir o imóvel.

5. Verifique a Situação Fiscal Municipal e/ou fiscal federal (INCRA, se for rural).

Confirme se o IPTU ou ITR está quitado junto à Prefeitura ou Secretaria da Receita Federal.
Exija que o vendedor regularize eventuais débitos no ato da escritura, para o imóvel ser transferido limpo.

6. Consulte o Cartório de Registro de Imóveis

Antes de fechar o negócio, leve cópias de todos os documentos ao cartório e pergunte se a cadeia de procurações é aceita.
Alguns cartórios são mais rígidos e podem exigir complementos ou novas outorgas.


Quando a Situação É Regularizável

Mesmo em casos complexos, é possível regularizar o imóvel.
O caminho mais seguro é:

  • Lavrar uma escritura pública utilizando a procuração vigente (se aceita pelo cartório);

  • Ou, se a cadeia estiver rompida, propor uma ação de adjudicação compulsória ou um reconhecimento de usucapião (quando a posse for longa e ininterrupta).

Essas medidas dependem da análise individual de cada caso — por isso, o acompanhamento de um advogado especializado em direito imobiliário é indispensável.

Outra forma de regularizar: nova procuração com base em subestabelecimento

Em alguns casos, desde que a procuração vigente conceda ao procurador poderes para subestabelecer — ou seja, transferir a terceiros os poderes que lhe foram outorgados.

Por exemplo:
se a Sra. Luciana recebeu do proprietário original uma procuração com cláusula expressa de subestabelecimento, ela pode outorgar uma nova procuração em favor de Carlos, transmitindo os mesmos poderes que possuía.
Dessa forma, a cadeia dominial é corrigida e formalmente restabelecida, passando a constar Luciana → Carlos, sem ruptura de poderes e sem perda de validade documental.

Essa nova procuração, lavrada em tabelionato, reconecta a linha sucessória dos direitos de posse e disposição do imóvel, mantendo a coerência jurídica e o respaldo cartorial.
Na prática, isso evita questionamentos futuros quanto à legitimidade dos atos praticados e fortalece a segurança da transação, especialmente quando ainda se pretende lavrar a escritura definitiva.

Base Legal:

  • Art. 653 e 655 do Código Civil – regras do mandato e subestabelecimento;

  • Art. 108 do Código Civil – necessidade de escritura pública para atos que envolvam direitos reais sobre imóveis.

Resumo:

Quando a procuração original prevê o direito de subestabelecer, é possível regularizar a cadeia dominial com uma nova outorga — mantendo a validade jurídica, reforçando a continuidade documental e evitando impasses futuros no registro.


Atenção: Procurações Muito Antigas

Procurações com mais de 10 anos de emissão, mesmo que ainda não revogadas, podem ser questionadas pelos cartórios.
Isso porque há risco de falecimento do outorgante, alterações de estado civil ou inconsistências de assinatura.



Adquirir um imóvel que já passou por várias mãos não é ilegal, mas exige cautela e documentação completa.

O comprador deve agir com prudência, analisar toda a cadeia de contratos e procurações e confirmar a validade de cada etapa.

A melhor segurança é a transparência documental.
Com todos os instrumentos corretos e a matrícula livre de ônus, é possível concretizar o negócio com tranquilidade.

Base Legal:

  • Art. 1.245 e 685 do Código Civil

  • Art. 195 da Lei 6.015/1973 (Lei de Registros Públicos)

  • Art. 799, IX do Código de Processo Civil (CPC)

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